3 de março de 2017

Dualidades

Formigueiro nos pés... A única coisa que eu sentia, além de uma sensação crescente de frio pelo meu corpo. Ainda de olhos fechados, calculei que o cobertor tivesse deslizado cama abaixo enquanto eu dormia. Mas outra coisa alterou esse pensamento... Uma ligeira brisa fria e húmida pelas minhas costas. "Estranho..." comecei eu a pensar, mais claramente, à medida que me sentia despertar. Os sentidos iam-me dando informações de que não estaria no local seguro onde costumo acordar todos os dias, a minha caminha. Começando a temer onde raio estaria eu, temi também abrir os olhos. "Abre-os devagar e tem calma..." A sugestão colocada, não pela minha mente, mas por outra voz externa, provocou-me o efeito contrário: abri-os repentinamente, surpreendido pela voz desconhecida. Um clarão quase me cegou, dando razão à sugestão da voz estranha, pelo que cerrei rapidamente de volta os olhos. Nos milésimos de segundo que vi, apesar da visão turva que obtive, vislumbrei o que me pareceu ser um monstro reluzindo verde e amarelo, suspenso no ar, de costas para mim, como que aguardando o meu despertar. "Que raio me está a acontecer?..."

(Em breve, o próximo episódio...)


18 de fevereiro de 2017

Desnamorar

- E depois o que fazíamos?
- Permanecíamos amigos... - respondeu ele simplesmente, encolhendo os ombros.
- Achas mesmo que sería assim tão simples?
Daniela achou querida a sugestão do amigo, somente. Uma vez que nenhum deles namorava há largos meses, e apoiavam-se um ao outro no que respeita a sentimentos, ele mandara assim para o ar a sugestão...
- Acho que de complicado nada tem - fazendo um trejeito com os lábios - eu conheço-te mais que qualquer homem que tenhas tido, e tu a mim vice-versa. Uma semana, que dizes? Não, um fim de semana! É simples... Vá, não sejas tão obtusa!
- Tóino, tás mesmo a...
- Não me chames isso! Eu tenho nome!
- ...falar a sério? Eu e tu, namorar um fim de semana? E não queres tu que te chame tóino! Conta-me lá a quem iría eu ou tu desabafar se isso corresse mal? Já não nos poderíamos utilizar um ao outro para o efeito!
- Mas como correr mal? Uma tarde, vá. Vamos almoçar, dar uns beijos e ir ao cinema...
- Acho que tás a precisar de parafusos! Mas vá, pelos anos de amizade e apoio, mereces. Arranja-me outro amigo e podemos começar.
- O quê?! - ficando paralizado de perplexidade - Outro amigo? Pra quê?
- Como pra quê? Já disse, se queres essa experiência, precisarei de um amigo pra contar a seguir o que aconteceu, ora!
Pensativo e imóvel, ele reflectiu:
- Mas a nossa amizade demorou anos a construir...
- É o que terás de esperar, então.
Ele sabia que Daniela jamais arranjaria alguém como ele para fazer o seu próprio papel. E namorá-la significava deixar de ser o amigo de sempre... Mmm...
- Esquece! Já não te quero namorar. Só eu sou o teu amigo das confidências! Eu, ouviste? - e como que aborrecido, desencostou-se do banco de jardim e começou marcha. Daniela, sorrindo, fez o mesmo segundos depois e seguiu o amigo:
- Acho bem. Vamos mas é arranjar namorada pra ti, que tás com falta!

17 de julho de 2015

Mas nunca mais voltes!

Eu amo-te, quero-te mais que tudo! Desde o dia que me convenceste a levantar-me do banco de jardim onde lia um romance, para que te acompanhasse ao café e tomarmos um "drink" por tua conta. Desde que me falaste com essa tua voz calma e absorvente, entranhando-me pelos ouvidos, com pura leveza e encanto. Desde que me levaste a tantos lugares onde eu já fora, mas que os tornaste novos para mim, com a tua forma sublime de ver as coisas. Desde então, meu supremo amor, que te quero! Tanto que não consigo descrever. Tanto que nem cabe na traqueia, para que me chegue à boca, as palavras do que sinto por ti, vindas do centro do meu coração. Jamais imaginei existir tamanha alegria de amar! Que esplendor recrias em mim. Mais e mais! Ao ponto de fraquejar de paixão só de te ver ao longe, caminhando na minha direcção... Quase morro, de o meu coração perder o norte e palpitar desmesuradamente, de te ter encostado a mim. Portanto, vês, meu mais que tudo... Não me mates... Fica longe!


22 de fevereiro de 2015

Dreamzzz...

No episódio anterior, Cátia recupera de um susto que lhe valeu uma ida ao hospital. Verónica ajuda-a e ambas vão até uma creperia para desanuviar. Com o melhorar do estado psicológico de Cátia, esta torna a recordar os eventos que a fizeram perder os sentidos, os quais envolviam Verónica.


5º episódio

- Cátia! Revolta na Assembleia. Queres?
- Aaa... ok... pode ser...
- Pode ser...?! - o editor chefe levanta-se da sua cadeira e, com passos rápidos e firmes, sai do seu escritório em direcção ao corredor por onde Cátia estava a passar naquele preciso momento, pára junto a ela, olha bem fundo nos seus olhos, leva as mãos à cintura e, com voz grave, mas calma e precisa, diz-lhe - Que se passa contigo, mulher? Estás a perder a garra. És uma das melhores jornalistas que já passou aqui pelo meu jornal, e tu sabes disso. Nunca tiveste dúvidas sobre nada e sempre foste ao ataque. Caramba, até ajudaste outros novatos a subir. E vejo-te agora já há três dias a desfalecer? Tira uns dias se quiseres, mas não te quero ver assim, percebes? O "furo" precisa de ti - permanece uns breves segundos com o olhar fixo no de Cátia, e então dá meia volta e regressa ao seu escritório.
- Vamos? - pergunta um colega, com a voz elevada, do fundo do corredor, agitando no ar a chave de um carro da empresa, para que Cátia entendesse. Cátia suspira e, sem grande vontade, responde:
- 'Bora... Vai descendo, vou só buscar a minha mala e já vou ter contigo...
Meia hora depois, já instalados no automóvel que os levaria ao destino, um sinal vermelho obriga a primeira paragem desde que saíram do jornal.
- Uma formiga passeia alegremente na selva, e entretanto começa a sentir o chão tremer...
Cátia franze as sobrancelhas, vira a cabeça para o colega e, desconcentrada do seu raciocício:
- Desculpa...? 'Tás para aí a dizer, Zé? - e volta a cabeça para a frente - Conduz mas é, não preciso de conversa, muito menos que me tentem animar...
- Cátia, desde que voltaste do passeio a Paris com aquela tua amiga que andas diferente. O que quer que tenha acontecido entre vós, precisas de resolver, caramba. O chefe tem razão, assim não estás a ser útil no teu trabalho.
O silêncio reinstalou-se, o sinal mudou para verde, Zé engatou a primeira velocidade e arrancou.
- Se calhar tens razão... - murmura Cátia pensativa, enquanto lhe surge na mente um desabafo para partilhar com o colega de trabalho - Sabes o que é ter uma amiga de infância, uma melhor amiga, a quem contas tudo, e a quem recorres para o bem e o mal, alguém que sabes com quem podes contar... um dia essa pessoa desiludir-te?
Zé desvia a atenção da estrada e olha o rosto triste de Cátia.
- Ah... então é isso que te alterou a eficiência no trabalho - tentando mostrar-se compreensivo - Queres contar-me o que a Verónica te fez em Paris?
- Não foi em Paris... foi há muitos anos atrás. Paris foi onde me recordei... - a voz de Cátia treme, e seu olho esquerdo verte uma lágrima - de tudo...

Entretanto, do outro lado da cidade, Verónica mira o telemóvel e o céu alternadamente, enquanto, com uma pequena colher, mexe o açúcar que deitou no seu café. Sentada na mesma mesa, na cadeira em frente, a sua mãe olha-a:
- Filha, não te martirizes mais. Relaxa um pouco. Logo ligas à Cátia.
- Ela não me atende, mãe. E se calhar eu faria o mesmo, depois do que lhe fiz...
Numa pausa com a chávena a meio caminho entre a mesa e a boca, a mãe de Verónica busca palavras de conforto na sua mente:
- Querida, o que lhe fizeste tinha de ser. Salvaste-a. Ela só ainda não percebeu isso. Dá-lhe tempo. E se ela nunca o perceber, tu sabes que fizeste o que devias.
Verónica mirava o horizonte com mágoa...
- Mas este entretanto custa-me muito... Preciso falar com ela - e pressiona o botão de chamar no telemóvel, onde já tinha o dedo preparado há largos minutos.

Zé olha o telemóvel de Cátia no espaço entre os bancos da frente do automóvel, junto ao manípulo das mudanças, e de seguida para Cátia:
- Não vais atender?
- Atende tu se quiseres. Aproveita e convida-a 'pra sair. Pode ser a tua oportunidade.
Zé cora de repente e desculpa-se:
- Cátia... não sejas parva. Eu só te queria ajudar.
- 'Tá bem, ajudas-me depois - Zé havia chegado ao local a que se destinavam - Estaciona e vem ter comigo - Cátia sai do carro, fecha a porta e dirige-se às escadarias da Assembleia, onde outros repórteres já se encontravam. Zé, estacionando num lugar perto, olha mais uma vez o telemóvel de Cátia, que ainda toca, e decide atendê-lo:
- 'Tou sim?
- Cátia? - responde Verónica do outro lado da linha.
- A Cátia está lá fora... Aqui é o Zé. 'Tás fixe, Verónica?
- Ahh... Zé, tudo bem? Como vai isso? Posso falar com a Cátia?
- Ela foi agora 'pró meio da multidão, vamos fazer a reportagem. Eu digo-lhe que lhe ligaste, pode ser? - Verónica hesita e responde:
- Sim... claro. Obrigado, Zé - e baixa a mão com o telemóvel ainda em linha.



- De nada, Verónica, 'tás à vontade - exalta-se Zé, aproveitando a oportunidade - Achas que a gente podia tomar um cafézito qualquer dia? - mas Verónica já tinha afastado o telemóvel do ouvido, mantendo-o com as mãos ao colo. Percebendo que não obtia resposta, Zé desliga a chamada, sentindo-se embaraçado - Bolas, já fiz merda!



Não percas o próximo episódio...

17 de maio de 2014

Dreamzzz...

No episódio anterior, as amigas entram numa loja de alta-costura parisiense e Verónica não resiste a experimentar um vestido. Cátia vê, através da vitrine, um homem que passa do lado de fora da loja, e que a põe em sobressalto.


4º episódio

- Quel est ton problem?!
- Jean!! Excusez pour mon mari, mademoiselle! Il est perturbée parce que son père est malade.
Verónica apenas estava a olhar para o vazio, mas na direcção do homem que se sentiu ofendido pelo seu olhar. A esposa veio apressadamente afastar o marido e pedir desculpas a Verónica, dizendo-lhe que o marido estava assim por causa do pai que estava internado no hospital. Verónica consentiu num gesto com a cabeça, quase sem se dar conta do sucedido, pois ela própria matutava sobre o estado da amiga, Cátia, que tinha dado entrada no hospital. Sem se dar conta, um senhor de bata branca e estetoscópio ao pescoço aproxima-se dela:
- "Senhorra... se quisérr pode vêrr a sua amiga. Ela já acorrdou e está bem."
- Ah... obrigado. Vou entrar então - responde Verónica, ansiosa por ver a amiga em bom estado. Entra no quarto, vê Cátia a levantar-se de uma marquesa, e corre para ela - Cátia! Então, mulher? Estás bem? Como te sentes?
- Estou bem, tem calma... - sorrindo por ver a amiga tão disposta a ajudá-la - Que me aconteceu? Não me lembro de nada.
- De nada? - Verónica temia que a amiga se exaltasse de novo com o que havia acontecido e então decidiu fazê-la lembrar-se devagarinho - Qual é a última coisa de que te lembras?
- Lembro-me termos estado numa loja... sim, de moda, e tu ficaste doida por um vestido, agora recordo-me! Que me aconteceu aí?
- Eu fui experimentar o vestido e tu... - Verónica temia ainda que Cátia tivésse uma recaída - Deixa lá, logo te lembras... Vamos sair daqui e apanhar ar puro, que isto aqui é só doenças.
As amigas saem então do hospital. O sol já se tinha posto por completo, e uma lua cheia e resplandecente tomou-lhe o lugar, dando um luar romântico às ruas de Paris. Cátia leva a mão ao estômago:
- Já comia qualquer coisa. Faz horas que não comemos - olha em volta - ali, do outro lado da praça, uma loja de crepes, 'bora lá! Finalmente vou provar um autêntico "crrépe" francês!
- Autêntico porquê? Os crepes são franceses?
Cátia pára repentinamente e vira para a amiga os olhos bem abertos de espanto:
- 'Tás a gozar comigo...! Não sabias?! Foi um francês que inventou há centenas de anos atrás. Bem, não foi bem inventar... ele fazia massa de pão e, certa vez, com a sobra de um pouco de massa, estreitou com o rolo da massa, fritou e acrescentou-lhe um doce qualquer, não me lembro qual, e pronto, foi assim. Aquilo pegou moda e ainda hoje se fazem. Até abrem lojas só disso, vê lá tu - fazendo um movimento rápido com o queixo para a frente, na direcção da "Crêperie", e pegando no braço de Verónica fazendo-a andar na direcção da casa de crépes - e nós vamos lá agora.
- Ok, não te sabia tão culta... Mas porquê crépe? Porquê esse nome a um bocado de massa que sobrou do que era para ser pão? - as amigas tinham agora chegado à esplanada da creperia.
- Senta-te e escolhe o teu crépe - já sentada, Cátia folheia ela também o menú com os variados crépes, e responde à amiga - Porque o termo francês "crêpe" deriva do latim "crispus". Acho que já chegas lá... Massa de farinha de trigo, mais leite e ovos, numa folha super fina e aquecida numa frigideira... "voilá", panqueca crispada! Ou crépe! - e sorri para Verónica.
- Caramba, mulher, tenho de sair mais vezes contigo. És um poço de cultura.
- Ora, não exageres... É cultura geral que me passa pelas mãos apenas, fruto do meu emprego.
- E que eu admiro muito. Mas eu não conseguia, dou-te crédito por isso. Jornalismo deve ser super stressante, não?
- Ao princípio sim. Tens de ter nervos de aço. Mas depois habituas-te.
O "garçon" chegava agora à mesa e esperava o pedido das amigas. Cátia fica calada a olhar para o homem, e depois para Verónica, que lhe diz em jeito de gozo:
- Tanta cultura sobre uma palavra francesa e não falas francês, ahah - vira-se para o empregado - "un crêpe au chocolat" - e vira-se para Cátia - E tu, que queres? - mas Cátia torna-se distante e responde demoradamente:
- Pode ser baunilha - o homem entende, recolhe os menús e entra loja adentro. Verónica repara na cara séria de Cátia e começa a estranhá-la:
- Cátia? Tu estás bem? Só estava a brincar contigo, não te queria ofender... - mas não era esse o motivo de Cátia:
- Começo a lembrar-me... da loja dos vestidos... Passou um homem...
- Calma, Cátia. Vai devagarinho... Depois disso chamaste por mim e desmaiaste, por isso chamei um ambulância, daí teres acordado no hospital. Mas calma, amiga, que homem era esse? Tu relacionaste-o com o do hotel. Porque te assustou tanto? - Cátia leva lentamente as mãos à cabeça, e fala vagarosamente:
- As coisas... estão a surgir-me na mente... O homem na loja, o homem do hotel... acho que não têm culpa de nada. Eu... qualquer coisa mais antiga...
- Não têm culpa do quê? Que coisa mais antiga? Cátia, não estás a dizer coisa com coisa...
Cátia, que se mantinha de olhar perdido na mesa à sua frente, levanta agora o olhar para a amiga:
- Lembras-te de me teres acordado lá em minha casa?
- Sim, e depois saímos para conversar e decidimos vir a Paris. E cá estamos. Que tem isso a ver com os homens?
- Tem que estes homens só me puxaram a memória para outra coisa que não tem nada que haver com eles...
Verónica aguarda continuação do raciocínio da amiga mas, vendo que se demora, despacha-a:
- Sim...? Continua. Não tem a haver com eles...?
- Tem a haver contigo!



Não percas o próximo episódio...

9 de maio de 2014

Passado presente

"Deixa para trás", dizem-me. "Isso é passado, e o passado não te pode afectar. Vem mas é divertir-te. Vá, vamos ali beber um shot, eu pago." Mas a verdade é que entras no meu raciocínio sempre que o utilizo. Raios! Como desejo poder desligar-me... Mas não de um modo definitivo, entendes? Apenas temporariamente, até que o meu cérebro te apague da memória, e depois eu poder voltar a ser e agir normal, como era antes de te conhecer. Dá para fazer isso? Eu não consigo. Será que não quero? Será que é por isso que não consigo apagar-te daqui? Sim, encostei a mão ao coração quando disse isto... Apetece-me que seja o coração, mas ouço dizer que é a cabeça que comanda. Eu sei lá... Só sei que estás cá, ande eu por onde andar. Será que nos poderíamos ver de novo? Nem que fosse ao longe? Caramba, lá estou eu a falar contigo longe da tua presença... Tenho mesmo de ir beber o shot que me pagaram.

1 de maio de 2014

Finest hour

No episódio anterior: Diego e Chico visitam Jéssica, que está em coma, no hospital. Diego ainda se encontra um pouco confuso com os últimos acontecimentos e suspeita de qualquer informação a que tenha acesso. À saída do hospital, outro homem estranho a Diego entra, e despoleta nele o seu instinto policial. Diego deixa Chico no jardim, e corre hospital adentro...


episódio 4º

  Chico permanece uns segundos impávido, olhando na direção para onde Diego largou em corrida, novamente entrando no hospital. Não sabendo o que pensar daquela atitude, mas também nada temendo, foi sentar-se no banco do jardim, tal como Diego lhe indicara. O banco era de pedra, o que arrefeceu um pouco as pernas de Chico, mas não fez assim tanta diferença, afinal o dia estava soalheiro, com uma brisa morninha. Foi deixando a mente brincar com a vista que os olhos captavam, entre passarinhos que pousavam no bebedouro do jardim, folhas que farfalhavam nas árvores em redor, pessoas que alegremente conversavam ao passar ali no quarteirão do hospital, entre outras simplicidades com que qualquer criança de nove anos medita...
  Alguns minutos depois começa a reflectir na sugestão que Diego lhe fizera sobre ficar sobre sua tutela, em sua casa, alguns dias. Não era uma ideia feia, ao contrário das que tinha no lar de adopção de crianças, e que o faziam fugir de lá de quando em vez. Sim, morar com alguém que realmente o queria por perto dava outra alegria, diferente do ânimo forçado dos educadores por quem era tratado, juntamente com todas as outras crianças, lá no lar. Estes pensamentos começavam a fazer surgir um sorriso no rosto de Chico, pensando que poderia sentir o que era ter uma figura paternal por perto, "um pai!" - pensou. Entretanto os minutos iam passando, e Chico apercebia-se do avanço da posição do sol:
  - "Será que o Diego se esqueceu de mim?" - pensava Chico - "Volto lá dentro ou espero mais um 'cadinho por ele?"
  Lá dentro a velocidade de acontecimentos era outra! Assim que Diego passara as portas de entrada do hospital, vislumbrara o estranho no fundo do corredor que, antes de dobrar a próxima esquina, voltou a mirá-lo nos olhos, o que aumentou a suspeita de Diego e o fez acelerar o passo. Já quase em corrida, começa a vociferar, para que o estranho o ouvisse:
  - Pare já aí! Quero falar consigo! Quem é você? - mas quanto mais levantava a voz, mais rápidos os passos do estranho se ouviam - Está-me a ouvir?! Páre!!
  Diego não conseguia ganhar terreno, encontrando-se a uns constantes quinze metros do suspeito, que não mostrava indícios de cansaço. A velocidade de ambos e os gritos de Diego já haviam despertado a atenção de quase todo o hospital, seguranças de vários pisos inclusivé, à medida que o suspeito ía subindo de andares pelas escadarias internas do edifício. A voz dos seguranças juntavam-se agora à de Diego:
  - Senhor, tem de se acalmar! Está a perturbar as pessoas presentes! Pare por favor!
  - Não sou eu que tenho de parar! - respondia Diego a alta voz, sem sequer virar a cabeça na direção dos seguranças que suplicavam calma - Vejam é se apanham aquele tipo à minha frente! Contactem os vossos colegas do piso acima deste para se prepararem para bloquear o homem!
  Pelo sim pelo não, assim o segurança em perseguição de Diego o fez. De qualquer forma, também poderiam apanhar o próprio Diego que, já começando a transpirar, conseguia aproximar-se do suspeito a passos largos, tamanha era a adrenalina que lhe corria nas veias.
  Diego, o homem que lhe foge, e o segurança que o persegue, todos sobem a alta velocidade as escadarias que levam ao quinto piso, encostando ás paredes doentes e enfermeiros que por ali passavam, sem sequer se darem ao trabalho de se desculparem.
  - Não vais fugir para sempre! - grita Diego, mais a motivar-se a si próprio que a intimidar o fugitivo à sua frente.
  Acabados os últimos degraus da escadaria, já em chão liso do corredor do quinto piso, preparava-se o suspeito agora para aplicar equilíbrio suficiente nos pés para fazer a próxima curva do corredor em alta velocidade, não fossem surgir na esquina dois corpulentos seguranças a barrar-lhe o caminho. A surpresa estampada no rosto do fugitivo passou para o corpo, que tentou inverter a marcha, mas a velocidade era tal que escorregou direito a um dos seguranças, o qual não mais o deixou mover-se, imobilizando-o. Diego, vindo atrás, lança um sonoro "Ahá!!" como quem diz "foste apanhado!" e dirige-se também ao fugitivo para o colocar em xeque e o interrogar, mas também é surpreendido pelo segundo segurança, que o agarra vigorosamente:
  - Largue-me! O criminoso é ele! Eu sou da polícia.
  - Prove - diz o segurança, agora ajudado pelo que vinha no encalço de Diego e do outro homem.
  - Não posso, a minha identificação está na esquadra, estou suspenso. Bolas! - reitera Diego.
  - Então não o posso largar, lamento - explica o segurança - a polícia está alertada e vem aí. Poderá então justificar-se, tal como este outro senhor. Ficam ambos retidos por nós enquanto a polícia não chega.
  Não valia a pena tentar justificar-se, sabia Diego. Nem ele queria tirar poder aos seguranças, até porque o suspeito já estava detido. O perigo passara, pensou. Ainda assim, o rosto do suspeito parecia feliz, chegando mesmo a soltar um riso. Diego baixa as sobrancelhas com estranheza, enquanto olha o homem:
  - De que ris, maldito? Foste apanhado, já não alcançarás a Jéssica. Falháste o teu propósito.
  Rindo ainda com mais vontade, o homem, imobilizado pelo segurança, responde alegremente a Diego:
  - Eu não falhei nada, meu caro. O meu trabalho 'tá feito. Nem a tua colega me interessa para nada - e sorrindo com todos os dentes e muito prazer, solta a deixa final - Mas o que deixáste lá fora talvez não esteja tão seguro...
Diego reflecte brevemente nas palavras do homem, que lhe parecia agora lunático e, num flash, e abrindo os olhos de sobressalto, grita:
  - CHICO!!!



Não percas o próximo episódio...

21 de abril de 2014

Contigo

Voltei a sonhar contigo... Tu estavas por lá, e parece que eu também. Mas eu não estava tanto como tu... Era como se eu fosse um espírito que vagueasse pelo teu sonho. Como se estivesses a ter o teu dia normal e eu tinha o poder de observar os teus movimentos e as tuas acções. Mas às vezes conseguia interagir com o que te rodeava, como com as outras pessoas além de ti, e que a ti te diziam respeito. Sim, porque eu não as conhecia de lado algum. Eram só tuas, como tudo o mais era teu. Eu só lá estava, como se o sonho meu não fosse. Só te conhecia a ti, completa e inteiramente, tudo mais era estranho para mim. Mas o sonho foi meu... Estranho, não é? A pergunta é retórica, pois juntos já não estamos, e como tal não me responderás. E será que jamais te verei? Em sonhos talvez... estranho...