10 de abril de 2013

Problemas na fronteira

Sete da manhã. Frio... calor... não me lembro. Ainda estava a acordar de um sono pouco tranquilo por causa dos cães do vizinho a ladrar a noite toda! Se eu tivesse uma caçadeira tratava do assunto, mas a polícia só me dá licença para transportar uma bisnaga. Levantei-me então lentamente enquanto dava início ao funcionamento do meu cérebro, preparando-o para o dia que tinha pela frente, quando abruptamente o despertador toca, alto e estridente. Detesto quando isto acontece. Mas esta seria a última vez. Peguei nele e atirei-o em direcção à janela com toda a força! Esqueci-me foi que estava fechada… Ou seja, o despertador desfez-se aos bocados. A janela nem arranhada ficou. Mas como tinha mais que fazer, deixei o quarto em direcção à cozinha e estrelei um ovo, e deixei-o cair no chão. Como não tinha paciência para fazer outro, liguei para uma agência de seguros e falei com a Marta, que me passou à Teresa para tratar de assuntos relacionados com o segredo de estado.

Saí então de casa mais confiante que nunca e esperei pacientemente por um táxi na paragem do autocarro. Passados vinte minutos chega um. Estava ocupado. Não me podia permitir esperar muito mais tempo. Pensava eu agora em apanhar o metro, quando começa a chuviscar. Tinha de ser rápido a correr até lá para não molhar o chapéu-de-chuva novo que comprara um dia antes. Protegi-o com o casaco enrolado à volta, juntamente com a camisa e as calças. Mas fui calçado. Os pés eu não molhava de certeza!

Chegado à estação, entrei então no metro, vesti-me e perguntei as horas a uma senhora que estava encostada a outra senhora, que estava encostada a um senhor e mais outros tantos. Percebi que aquele vagão estava apinhado de gente. Não me disse as horas, apenas me disse que não era cedo. Assenti com pesar e falei turco durante a viagem toda, para distrair. Finalmente na última estação, saí do metro e dirigi-me apressadamente para a limousine que me esperava lá fora. Sentei-me, fechei a porta e disse ao "chauffeur" que me apetecia tomar algo, ao que ele respondeu que tomou a liberdade de pensar nisso, ligou a ignição e acelerou a fundo. Já numa velocidade de cruzeiro, insisti:
"Apetecia-me tomar algo." Ao que ele reafirmou: "Já lhe disse que tomei a liberdade de pensar nisso." Deixei-o em paz, não fosse ele chatear-se e fazer uma má condução. Daí a pouco travou bruscamente, virou-se para trás e disse-me que havíamos chegado. Abri a porta e saí, reparei que estávamos na fronteira, olhei para o chão e encontrei os problemas. Eram na sua maioria de somar e subtrair, assentes numa folha A4 quadriculada.

Moral da história: mesmo que o desfecho seja ridículo e incerto, aprendeste algo pelo caminho. Faz o que tens a fazer.

7 de abril de 2013

O amor e uma caneca

Este é um texto baseado na sugestão da Knight, que me deu o título e de quem espero a respectiva crítica após a sua leitura. Obrigado Knight pela sugestão.

"Joana, já leváste as bebidas prá mesa?", perguntou a anfitriã da festa. "Já, tonta, sabes que sim, porque estás a perguntar? Querias emborcar mais um cadinho, era? Tem mas é calma, fofinha, senão quando o pessoal começar a chegar já tu tás podre!", responde-lhe Joana enquanto passa para a sala para pousar os pratos na mesa. Ainda da cozinha, Magda eleva a voz: "Ó parva, e não é esse o objectivo? Apanharmos uma granda bzaina?" Joana, voltando para a cozinha: "Mas não já, né? Queremos conviver um cadinho antes de perdermos o norte, né?" Magda fica imóvel e um pouco cabisbaixa. Joana, estranhando a amiga, chega-se ao pé e agarra-lhe as mãos: "Então, fofa, que se passa contigo? Preparámos um jantar, vamos ter as amigas e talvez uns gajos bons, porque ficáste assim de repente?" Magda vacila com o olhar entre a amiga e o chão: "Nada... é só que... nada, esquece." Joana não se fica: "Nada, esquece?! Achas que sim?" Joana segura mais forte as mãos de Magda: "Meu amor, vais-me contar o que se passa contigo e vais ficar bem, que temos uma festa pra curtir! Que foi? Conta-me." Magda não se demora: "Eu convidei-o." Joana confusa: "Convidáste-o? Quem?" Mas logo entende, arregalando os olhos: "O Patrick? Convidáste o Patrick?" Magda assenta com a cabeça. Joana espantada: "Porquê? Pensava que já o tinhas ultrapassado! Porque o convidáste? És louca?!" Magda: "Por isso mesmo, Joana! Ultrapassei-o, já não choro por ele, e quero provar-me isso a mim própria! Entendes? Afinal ele continua a ser um conhecido meu... um amigo, caramba! Não quero passar muito mais tempo a ser forte, como toda a gente me pede! Quero ser normal, por isso convidei-o e, se algo não me correr bem, sei que estás cá para me ajudar..." Joana reflecte nas palavras da amiga, depois abraça-a: "Ok, querida... Desculpa, tens razão... essa coisa de se ser forte para aguentar o fim de uma relação já farta. E sabes que mais? Estou contigo para te amparar, caso te vás abaixo quando ele chegar. Podes contar comigo, amiga..." Desfazendo o abraço e olhando-a nos olhos: "Vá, agora vamos tratar de vestir-nos, sim? Já arranjei a sala toda e pus a mesa. Só faltamos nós." Magda sorri. As duas dirigem-se para o quarto, quando a campainha toca. Joana vira em direcção à porta: "Vai lá vestir-te que eu abro a porta!"

Magda, entrando quarto adentro, fecha a porta atrás de si e começa a olhar para os conjuntos de roupa em cima da cama já preparados e seleccionados entre tantos do armário. Enquanto escolhia dos poucos já pré-seleccionados, repensa se fez bem em querer ver o ex para superar as dores do passado. Mas já não podia voltar atrás, pois de entre os ruídos de vozes que vinham do hall de entrada apercebeu-se logo da voz de Patrick. Joana entra de rompante no quarto: "Pronto, já pus o pessoal à vontade, agora sou eu que me vou vestir. O teu Patrick foi dos que veio neste primeiro grupo. Deve estar cheio de vontade de te ver!" E olhando para os conjuntos em cima da cama: "O que é que tens pra mim, querida?" Magda vira-se de costas, para Joana lhe correr o fecho do vestido que escolheu: "Qualquer um... escolhe. Se bem que eu gostava de te ver com esse vermelho. Veste lá..." Toca a campainha de novo. Joana: "Deixa estar, eu disse ao pessoal que entrou para tratarem do resto dos convidados. Eles arranjam-se. Vou vestir este, que tal?", colocando o vestido em frente ao corpo e vendo-se no espelho. Mas Magda não estava com a cabeça aí: "Eu vou lá! Que anfitriã seria eu se deixásse o outros tratar da entrada? Já venho..." E sai num ápice. Joana vira-se repentinamente: "Fogo... esta miúda tá mesmo acelerada...!"

A caminho da porta da entrada, Magda passa pela porta da sala e fica com o coração em sobressalto, quando por milésimos de segundo avistou Patrick sentado no sofá conversando com outros. Abre a porta a outra dúzia de convidados, indica-lhes atabalhoadamente a direcção da sala, e esgueira-se para a cozinha, onde enche nervosamente um copo de água e bebe. Ouve passos vindos do hall e, pensando serem os passos de Joana, desabafa, ainda de costas para a porta, vazando mais água no copo: "Acho que cometi um erro, Joana..." Mas era Patrick que, parando à entrada da cozinha, tenta desculpar-se: "Não sou a Joana, mas... posso-te ajudar com o erro?" Magda vira-se de repente, envergonhada da situação, que a deixa totalmente desnorteada: "Ãh?! Patrick! Olá! Tás bom? O quê? O erro? Não, nada! Esquece! É uma cena minha e da Joana! Tás bom? Queres tomar alguma coisa?" Patrick também ele não se sente à vontade: "Desculpa, não te queria perturbar, eu... se calhar vou voltar para a sala... ou se quiseres vou-me embora, e vemo-nos outro dia..." Magda começa a assentar as ideias, quando entra, cozinha adentro, um casal amigo de ambos. Diz ele: "Ei pessoal! Comé qué? Há farra ou não? Que é que estão a fazer aqui na cozinha? Magda, vou tirar um copo pra beber um golinho do excelente vinho que tens ali na sala, tá bem?" "Claro, tás à vontade, prateleira de cima...", responde-lhe Magda. Teresa desculpa-se do namorado: "Ele já veio aquecido do bar, Magda, sabes como é, né? E agora aturá-lo a noite toda? Só eu é que sei!" Entretanto, ambos Patrick e Magda atentam, surpresos, à caneca que o namorado de Teresa tira da prateleira. Tentando perceber se era da bebedeira ou se estava mesmo a ver bem, observa atentamente a caneca: "Ó pessoal... isto tá tudo rachado ó é impressão minha?! Porque é que não deitas isto pró lixo, Magda?" Instintivamente, Patrick exclama: "Não!!" e olha para Magda, transmitindo-lhe a visão da caneca, e lembrando-se de quatro anos antes, quando namoravam... aquela era a caneca oferecida por ele a ela, cor-de-rosa com um coração embutido representando o amor de ambos, mas mais tarde estilhaçada no chão entre discussões de uma relação a caminhar para a ruína. Aquela caneca estar ainda viva, ainda para mais recuperada pedacinho a pedacinho com cola, significou muito para ele naquele instante... Sentiu um misto de emoções no peito e, ignorando a presença do casal amigo, dirige-se a Magda: "Guardaste-a esta tempo todo? Pensava que já não existia...!"

Joana, vinda do quarto, entra ela também na cozinha e percebe o filme todo: "Ai... Só cá faltava esta... Patrick, por favor, vai para a sala, não comeces a baralhar a Magda." Mas Magda estava já mais segura de si: "Deixa, Joana, afinal era isto que eu queria, enfrentar a minha insegurança.", e vira-se para Patrick: "Sim, colei todos os pedacinhos e guardei-a porque, apesar de termos acabado mal, tivémos tempos bons, e eu quero lembrar-me das coisas boas, não por ti ou por nós, mas porque, fazendo parte da minha vida, não havia modo de apagar da minha mente, pelo que preferi cuidar dos meus sentimentos... e da caneca." Olham-se todos entre eles, esperando alguém falar... O bêbedo rompe o silêncio: "Ó iéééé!! Assim é que é! Nunca fizéste isto por mim, amor!" Responde-lhe Teresa: "Txii... Tinhas de ser o dobro de homem que és, para isso acontecer!" Patrick interrompe: "Magda, isso quer dizer que poderá eventualmente haver ainda algo entre nós?" Joana leva a mão à cara: "Ai Jesus..." Magda sorri com a reacção da amiga do peito e, virando-se para Patrick: "Isto quer dizer que eu superei os meus fantasmas, e sinto-me agora à vontade com a minha vida e os meus sentimentos, Patrick. Somente e nada mais. Espero que consigas o mesmo à tua maneira." Desencostando-se da bancada da cozinha, passa pelo namorado de Teresa, tira-lhe a caneca da mão, que tanto trabalho lhe deu a reconstruir e, caminhando para fora da cozinha: "Vá pessoal, vamos lá, que agora temos uma festa para curtir!"